Um novo estudo divulgado ontem (16.jul.2024) pela ONG Autism Science Foundation (ASF) revela que a taxa de recorrência do transtorno do espectro do autismo (TEA) em crianças que têm um irmão mais velho autista subiu para 20,2%. Esse número é significativamente maior que a taxa da população geral, que é de 2,8% (segundo números do CDC dos EUA, divulgados em 2023). A pesquisa, publicada na revista Pediatrics, utilizou uma amostra mais ampla e diversificada do que um estudo similar realizado em 2011, que reportava uma taxa de 18,7%. Dados foram coletados de 18 locais diferentes pelo Consórcio de Pesquisa de Bebês Irmãos do Autismo, acompanhando 1605 bebês com irmãos mais velhos autistas desde o nascimento até os 3 anos de idade.
O estudo identificou que o sexo do bebê, o número de irmãos autistas na família e o sexo do irmão mais velho (probando) são fatores determinantes na taxa de recorrência. Bebês do sexo masculino apresentaram uma taxa de recorrência de 25%, enquanto bebês do sexo feminino apresentaram 13%. Além disso, a taxa de recorrência aumenta significativamente em famílias com mais de um irmão autista, chegando a 37%. Se o primeiro filho autista for do sexo feminino, a taxa de recorrência é de 34,7%, comparada a 22,5% quando o primeiro filho autista é do sexo masculino.
Variáveis associadas com a recorrência e as taxas de recorrência:
Sexo do bebê
Taxa de recorrência em meninos = 25%
Taxa de recorrência em meninas = 13%
Número de crianças autistas na família
Taxa de recorrência se houver mais de um irmão autista = 37%
Taxa de recorrência se houver apenas um irmão autista = 21%
Sexo do probando (ou seja, sexo do irmão autista mais velho)
Taxa de recorrência se o primeiro filho autista for do sexo feminino = 34,7%
Taxa de recorrência se o primeiro filho autista for do sexo masculino = 22,5%
Raça
Taxa de recorrência em não brancos = 25%
Taxa de recorrência em brancos = 18%
Educação materna
Taxa de recorrência se a mãe tem ensino médio ou menos = 32%
Taxa de recorrência se a mãe tem diploma de pós-graduação = 17%
Menos educação, mais recorrência
Contextos socioeconômicos também desempenham um papel crucial na taxa de recorrência do autismo. Crianças cujas mães possuem apenas o ensino médio ou menos apresentam uma taxa de recorrência de 32%, enquanto aquelas cujas mães têm um diploma de pós-graduação têm uma taxa de 17%. Esses dados sugerem que a monitorização de bebês em risco deve considerar tanto fatores genéticos quanto contextuais, com atenção especial para famílias economicamente desfavorecidas.
A Autism Science Foundation, uma das financiadoras do estudo, enfatiza a importância de uma vigilância contínua e intervenção precoce para irmãos mais novos de crianças autistas. A Dra. Alycia Halladay, diretora científica da fundação, destacou a necessidade de garantir que essas crianças sejam monitoradas de perto e encaminhadas para avaliação diagnóstica rapidamente se sinais precoces de autismo surgirem. “É crucial que os irmãos mais novos, especialmente aqueles do sexo masculino ou com múltiplos irmãos autistas, sejam acompanhados de perto durante o desenvolvimento inicial”, afirmou Halladay, que atua como responsável pelo programa do consórcio Autism Baby Siblings Research Consortium (BSRC). A coleta e análise deste grande conjunto de dados foi possível graças a um banco de dados compartilhado do BSRC, financiado pela ASF.
O BSRC é uma comunidade multidisciplinar de pesquisadores e clínicos dedicada a entender as origens e os primeiros sinais de TEA. Nos últimos dez anos, o consórcio tem identificado marcadores comportamentais e biológicos de risco antes da idade típica de diagnóstico, promovendo intervenções precoces na infância. Para mais detalhes sobre o artigo que explica o estudo e a respeito do trabalho do consórcio, visite o site da Autism Science Foundation, neste link.
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2019/04/serie-Spectrum-3-e1556299388958.jpg550844paiva/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngpaiva2024-07-17 14:37:452024-07-17 14:39:37Taxa de recorrência de autismo em irmãos sobe para 20,2%, segundo novo estudo
Um novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego (UC San Diego) sugere que um cérebro anormalmente grande pode ser o primeiro sinal de autismo profundo (ou nível 3), visível já no primeiro trimestre de gestação. Publicada na revista *Molecular Autism*, a pesquisa utilizou células-tronco de crianças com autismo idiopático para criar organoides corticais cerebrais (BCOs, na sigla em inglês para brain cortical organoids — também conhecidos como “minicérebros”), que são modelos do córtex fetal. Os BCOs de crianças autistas eram significativamente maiores que os de crianças neurotípicas, com um aumento de cerca de 40%. Quanto maior o “minicérebro”, mais graves eram os sintomas sociais e de linguagem dessas crianças, segundo os resultados do estudo.
A pesquisa, liderada pelos professores Alysson Muotri e Eric Courchesne, revelou que o crescimento anormal dos BCOs em crianças com autismo está correlacionado com a severidade da apresentação da condição autista. Crianças cujos respectivos “minicérebros” excessivamente aumentados mostraram volumes cerebrais maiores em áreas relacionadas à socialização, linguagem e funções sensoriais quando comparadas aos seus pares neurotípicos. “O ditado ‘quanto maior o cérebro, melhor’ nem sempre é verdadeiro,” afirmou Alysson Muotri, diretor do Instituto de Células-Tronco da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA). “Nos organoides cerebrais de crianças com autismo severo, há mais células proliferando e, consequentemente, mais neurônios — e isso nem sempre é positivo.”
Formação acelerada de neurônios
O estudo descobriu que os BCOs de todas as crianças com autismo, independentemente da severidade, cresciam aproximadamente três vezes mais rápido do que os de crianças neurotípicas. Algumas das maiores organoides cerebrais, provenientes de crianças com casos mais graves e persistentes de autismo, também apresentaram uma formação acelerada de neurônios. Essa descoberta sugere que a gravidade do autismo pode estar diretamente ligada à taxa de crescimento e número de neurônios no cérebro.
Eric Courchesne, coautor do estudo, destacou a importância desse tipo de pesquisa. “Os sintomas centrais do autismo são problemas sociais e de comunicação. Precisamos entender as causas neurobiológicas subjacentes a esses desafios e quando eles começam. Somos os primeiros a projetar um estudo de células-tronco para abordar essa questão específica e central do autismo,” disse Courchesne, que também é codiretor do Centro de Excelência em Autismo da UC San Diego.
A descoberta de que o crescimento excessivo do cérebro começa ainda no útero pode abrir caminho para novas terapias destinadas a melhorar as funções intelectuais e sociais das pessoas com autismo. Os pesquisadores agora esperam identificar a causa desse crescimento acelerado para desenvolver tratamentos que possam ajudar na função social e intelectual dos afetados.
Para mais detalhes sobre esta pesquisa pioneira, a reportagem completa pode ser acessada no site Medical Express e também no UC San Diego Today. O estudo completo pode ser acessado neste link.
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2021/08/minic--rebros.png6001077paiva/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngpaiva2024-06-08 10:28:402024-06-08 10:34:40Novo estudo sugere que crescimento excessivo do cérebro determina a gravidade do autismo
Liderado pelo SickKids, o estudo sequenciou os genomas completos de mais de 20 mil indivíduos, sendo o maior do mundo até hoje
Pesquisadores do Hospital for Sick Children (SickKids), do Canadá, descobriram novos genes e alterações genéticas associadas ao transtorno do espectro do autismo (TEA) na maior análise de sequenciamento do genoma do autismo até o momento, fornecendo uma melhor compreensão da ‘arquitetura genômica’ por trás desse transtorno. Ao todo, eles fizeram uma lista com 134 genes como sendo os principais ligados ao TEA.
O estudo, publicado na revista Cell, no último dia 10.nov.2022, avaliou o sequenciamento do genoma completo (WGS, na sigla em inglês) de mais de 7.000 indivíduos com autismo, bem como outros mais de 13.000 irmãos e familiares que não estão no espectro do autismo. A equipe encontrou 134 genes ligados ao TEA e descobriu uma série de alterações genéticas, principalmente variações do número de cópias dos genes (CNVs, na sigla em inglês), provavelmente associadas ao autismo, incluindo variantes raras associadas ao TEA em cerca de 14% dos participantes com autismo. Vale destacar, porém, que há atualmente 1.097 genes (nov.2022), entre uma variedade com mais e com menos importância, sendo estudados com alguma relação com autismo, segundo o Sfari Gene — um dos mais respeitados bancos de dados do mundo sobre genética do autismo.
Capa da revista científica Cell, edição de 10.nov.2022.
Variabilidade fenotípica
“Esse trabalho demonstra, agora com mais dados, e com poder estatístico, que a variabilidade fenotípica dentro do espectro do autismo é condizente com a grande variabilidade de alterações estruturais e genéticas do DNA dessa população com TEA. Porém, mais estudos são necessários para investigar de forma mais profunda cada categoria de alteração genética, de forma que consigamos estratificar de forma mais clara cada tipo de TEA com base no fenótipo e genótipo deles.”, avaliou o bioinformata Dr. Roberto Herai, um dos fundadores da Tismoo.
Para Dra. Graciela Pignatari, bióloga com doutorado em biologia molecular, “esse estudo mostra a importância de se entender cada dia mais sobre a genética do autismo, a relevância do sequenciamento do genoma completo e de como podemos ter diferentes tipos de alterações genéticas sendo importantes para o TEA. Nesse estudo foram encontradas aliterações estruturais como alterações de ponto em regiões codificadoras e não codificadoras. Por fim, novos genes e alterações sendo conhecidas afirmam a importância da reanálise de dados” explicou a bióloga, que também é uma das fundadoras, além de responsável técnica da Tismoo Biotech.
A maioria dos dados foi extraída do banco de dados Autism Speaks MSSNG , o maior conjunto de dados de genoma completo de autismo do mundo, que fornece aos pesquisadores de autismo acesso livre e aberto a milhares de genomas sequenciados, mas também foram usados dados do Simons Simplex Collection (SSC) e do projeto 1000 Genomas (1000G).
“Ao sequenciar todo o genoma de todos os participantes e com profundo envolvimento das famílias participantes do MSSNG na formação de nossas prioridades de pesquisa, maximizamos o potencial de descoberta e permitimos análises que englobam todos os tipos de variantes, desde as menores alterações de DNA até aquelas que afetam cromossomos inteiros”, disse o Dr. Stephen Scherer , cientista sênior do programa de Genética e Biologia do Genoma e chefe de pesquisa do SickKids Hospital, além de diretor do Centro McLaughlin da Universidade de Toronto, na divulgação do estudo.
‘Família multiplex’
O artigo também aponta nuances importantes na genética do autismo em famílias com apenas um indivíduo com autismo em comparação com famílias que têm vários indivíduos com autismo, conhecidas como “famílias multiplex”. Surpreendente para a equipe foi que a “pontuação poligênica” – uma estimativa da probabilidade de um indivíduo ter autismo, calculada pela agregação dos efeitos de milhares de variantes comuns em todo o genoma – não foi maior entre as famílias multiplex.
“Isso sugere que o autismo em famílias multiplex pode ser mais provável de estar ligado a variantes raras e altamente impactantes herdadas de um dos pais. Como os traços genéticos e clínicos associados ao autismo são tão complexos e variados, grandes conjuntos de dados como os que usamos são essenciais para fornecer aos pesquisadores uma compreensão mais clara da arquitetura genética do autismo”, disse, no evento de divulgação do paper, Brett Trost, pesquisador que é o autor principal do estudo.
Spectrum 10k: site do estudo científico publicou uma lista de compromissos levantados pelo projeto
O Spectrum 10k, um estudo genético a ser realizado no Reino Unido, alguns meses atrás, causou polêmica entre ativistas do autismo naquele país. No mês passado, o site do estudo publicou uma atualização da consulta que buscou saber as opiniões das pessoas sobre o projeto. A consulta teve a participação de autistas, familiares e profissionais ligados ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
A consulta prevê a participação plena de autistas no processo de pesquisa e transparência total. No site Spectrum 10k, há uma lista de compromissos levantados pelo projeto. O anúncio provocou reações mistas da comunidade, contra e a favor.
Para o cientista Diogo Lovato, doutor em biologia molecular e especialista em modelos genéticos do TEA, é importante envolver a comunidade nos estudos: “Iniciativas semelhantes em genética de populações precisam ser comunicadas de maneira efetiva com as comunidades estudadas para que elas realmente entendam esses esforços. Da genética que estuda populações ancestrais e isoladas até grupos de doenças raras, as pessoas envolvidas e que auxiliam esse trabalho com suas amostras biológicas e seus dados precisam ver que os resultados desses trabalhos são infinitamente superiores aos riscos associados. Sem trabalhos dessa natureza feitos no passado, a genética que auxilia diagnósticos e tratamento de doenças raras não existiria, assim como o entendimento de tantas condições de saúde fortemente associadas a fatores genéticos como diferentes tipos de câncer e a forma de tratar essas condições de maneira precisa e específica para cada caso. Como exemplo, o Autism Sequencing Consortium e o SPARK, duas grandes iniciativas de pesquisa em genética de autismo desenvolvidas nos EUA, já resultaram em dados importantíssimos para a compreensão do TEA e transtornos do desenvolvimento. É justamente para evitar o uso indevido da ciência que as comunidades envolvidas em pesquisas precisam de conscientização e de participação ativa nessas iniciativas”, argumentou Lovato, que é geneticista molecular da Tismoo.
Spectrum 10k
A pesquisa pretende coletar amostras de DNA de cerca de 10 mil autistas do Reino Unido e está sendo desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Cambridge, da qual um dos mais importantes pesquisadores da área, Simon Baron-Cohen, é professor e pesquisador, juntamente com o Autism Research Center, o Wellcome Sanger Institute e a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Apesar disso, autistas ativistas e organizações relevantes do Reino Unido, como a National Autistic Society, recusaram-se a contribuir com o estudo e se posicionaram contra o seu desenvolvimento.
O jornalista Liam O’Dell, que também é autista, divulgou uma série de matérias baseadas em emails de profissionais e documentos de hospitais e organizações que estariam envolvidas no estudo, por meio da Lei de Liberdade de Informação do Reino Unido.
Agora, com a participação de autistas na consulta, espera-se que o estudo possa seguir em frente, sendo construído com uma participação mais efetiva da comunidade.
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2022/06/portal_spectrum-10k.png600900paiva/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngpaiva2022-06-10 18:38:322022-06-10 18:44:46Estudo no Reino Unido foi retomado com consulta à comunidade
Por que meninas teriam mais “resistência” genética ao risco de autismo e quais as evidências contra e a favor dessa teoria.
Hannah Furfaro, do Spectrum News, traduzido para o português por Francisco Paiva Junior
Um dos enigmas mais intrigantes do autismo é o porquê de quatro vezes mais meninos serem diagnosticados com o transtorno do que meninas.
O viés de diagnóstico explica parcialmente essa proporção. A principal teoria genética do autismo, que mostra um “efeito protetor feminino”, também oferece uma explicação poderosa. A teoria sugere que meninas e mulheres são mais “protegidas” biologicamente do autismo.
Aqui, explicamos a teoria e examinamos os dados que a sustentam ou a derrubam.
Quais são as origens da teoria do “efeito protetor feminino”?
Na década de 1980, Luke Tsai , então na Universidade de Michigan em Ann Arbor (EUA), descobriu que meninas autistas têm, em média, mais parentes com autismo ou alguns problemas de linguagem do que meninos com o transtorno (1). Essa descoberta indica que as meninas precisam herdar mais fatores genéticos relacionados ao autismo do que os meninos para apresentar características dessa condição de saúde. Vários grandes estudos desde então confirmaram a observação de Tsai.
Que evidências apóiam essa teoria?
A evidência mais convincente para a teoria vem de vários grandes estudos de famílias ou gêmeos. Um estudo descobriu que os irmãos mais novos de meninas autistas são mais propensos a ter o transtorno do que os irmãos mais novos de meninos autistas (2). Outros estudos sugerem que as meninas são mais “resistentes” às mutações ligadas ao autismo do que os meninos — ou seja, as meninas podem ter as mesmas mutações genéticas que os meninos autistas e, ainda assim, não ter Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Alguns estudos sugerem que mais mutações, ou ‘acertos’, são necessários para desencadear autismo em meninas do que em meninos. Um estudo de 2011 mostrou que meninas autistas têm mais duplicações ou deleções espontâneas de DNA, chamadas variações do número de cópias (copy number variation: CNVs, na sigla em inglês), do que meninos autistas (3); outro estudo confirmou o achado, três anos depois (4). Este estudo também relatou que meninas autistas têm três vezes mais probabilidade do que meninos de carregar CNVs que incluem genes do autismo.
Alguns experimentos com animais também confirmam a teoria. Camundongos fêmeas com deleção na região cromossômica 16p11.2 , que está ligada ao autismo, não têm os problemas de aprendizagem que os machos com deleção têm; elas parecem compensar a perda por meio de uma proteína chamada ERK. Outra equipe descobriu que as fêmeas de uma linhagem diferente de camundongos, que têm a deleção 16p11.2, compensam essa perda comportamentalmente.
Poderia o viés de diagnóstico, em vez deste “efeito protetor”, explicar a proporção de sexo do autismo?
Sim. O autismo se manifesta de forma diferente nas meninas e nos meninos. Mas as ferramentas usadas para diagnosticar e rastrear o autismo são baseadas principalmente em dados de meninos. Eles geralmente não levam em consideração a variação nas características do autismo entre os sexos.
Como resultado, muitas mulheres e meninas autistas são diagnosticadas com o transtorno tardiamente ou nem chegam a serem diagnosticadas. Esse subdiagnóstico pode ter levado a uma proporção sexual distorcida.
Existem evidências que contradizem o “efeito protetor feminino”?
Sim, mas não muito.
Se as meninas autistas carregam mais fatores de risco familiares do que os meninos autistas, os irmãos delas também devem estar em maior risco de desenvolver autismo ou traços de autismo. Mas alguns cientistas descobriram o oposto.
Um estudo de 2015 não encontrou associação entre o sexo de crianças autistas e a extensão dos traços de autismo em seus irmãos mais novos (5). No entanto, um estudo de 2013 mostrou que irmãos de meninas autistas têm mais traços de autismo do que irmãos de meninos autistas (6). No geral, há mais evidências a favor da teoria do que contra.
Artigo original, em inglês: Spectrum News
Por que é importante estudar esse efeito?
A caracterização dos fatores que “protegeriam” as meninas do autismo pode ajudar os pesquisadores a desenvolver tratamentos direcionados ou reduzir os riscos associados ao transtorno.
Mas encontrar uma explicação biológica para o “efeito protetor feminino” deve acontecer antes. Até agora, todas as evidências que confirmam a teoria são indiretas. Idealmente, os cientistas deveriam identificar aspectos específicos das vias moleculares em meninas que estão por trás de sua “resistência” ao autismo.
Uma equipe está estudando diferenças sexuais no cérebro de indivíduos autistas; outra está pesquisando os genomas de um grande número de meninas em busca de variantes genéticas que possam explicar o “efeito protetor” (7).
Este artigo traduzido para o portugês foi originalmente publicado em inglês, no site Spectrum News, em 1.mai.2019: “The female protective effect, explained“, de autoria da jornalista Hannah Furfaro, mestre em jornalismo científico e de saúde.
Segundo o neurocientista, sabendo qual é o subtipo de autismo, sua mutação genética, é importante filiar-se a associação de pacientes dos EUA
O neurocientista brasileiro Alysson Muotri, professor da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA) publicou recentemente em suas redes sociais a respeito de terapias gênicas, que estariam próximas de se tornarem realidade nos Estados Unidos e recomendando que famílias brasileiras com pessoas autistas, que saibam sua alteração genética, portanto seu subtipo de autismo, se filiem a associações norte-americanas. Fomos perguntar a ele detalhes dessa informação, numa entrevista por vídeo.
A postagem original dele foi a seguinte: “terapia gênica para autismo está se tornando uma realidade. Diversos subtipos de autismos são causados por mutações em um único gene. A introdução do gene correto nas células neurais é uma possível forma de reversão da condição. Os genes MECP2, CDKL5, SHANK3, SETD5, UB3A e FMRP já estão com protocolos bem encaminhados. Semana passada, nosso lab submeteu a patente de terapia gênica para o TCF4. Muitos outros estão a caminho. É importante fazer o sequenciamento genético (recomendo a Tismoo no Brasil). Achando-se o gene candidato alterado, filie-se a respectiva associação de pacientes nos EUA o quanto antes. Por serem raros, pacientes do mundo todo podem vir a ser recrutados em ensaios clínicos”.
Terapia gênica
Este tipo de terapia consiste na correção de um gene alterado através de modernas técnicas de edição genética, ou seja, “consertando” artificialmente uma mutação em um gene que causa uma doença ou condição de saúde. A técnica utilizada foi com a enzima Crispr-Cas9 (do inglês: Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats — em português: repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas), uma tecnologia que permite copiar e colar o DNA. Para quem quiser entender a técnica, há um vídeo do canal Ciência Traduzida (quem quiser ver uma versão reduzida, assista de 3:12s a 5:50s) e o site G1 também fez um infográfico bem interessante explicando a técnica.
Para esclarecer diversas dúvidas, fizemos uma entrevista com o neurocientista.
Entrevista
Portal Tismoo — O que é exatamente uma terapia gênica?
Alysson Muotri — A terapia gênica consiste na correção de um gene alterado dentro de uma célula que causa uma certa condição [de saúde]. O autismo tem um fator genético muito forte e muitas das causas do autismo são monogênicas, ou seja, causado por alterações ou mutações em apenas um gene. Muitos destes subtipos de autismo, ao se conhecer mais das características daquele gene [alterado] e como ele leva àquele quadro clínico, acaba se transformando em uma síndrome. É o caso da Síndrome de Rett, causada por mutações no gene MECP2 e outras síndromes relacionadas. Esses subtipos de autismo são muito atraentes para terapia gênica, por serem decorrentes de um único gene alterado. Então, corrigindo esse gene, espera-se que as consequências moleculares, celulares e comportamentais sejam todas reversíveis.
Portal Tismoo — E funciona?
Alysson Muotri — Resultados pré-clínicos, ou seja, feitos em laboratórios. mostram a prova de conceito de que essas estratégia funciona, incluindo dados do meu próprio laboratório, mostrando que é possível uma reversão completa das alterações causadas pelo gene MECP2 alterado, em neurônios humanos. Isso também já foi demonstrado em modelos animais. Todos esses dados estão sendo apresentados ao FDA (Food and Drug Administration — agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos). Em geral, é uma Indústria farmacêutica que tem o suporte, para bancar um ensaio clínico e que acaba liderando essa proposta. A indústria licencia a tecnologia das universidades, junta toda a informação pré-clínica existente num pacote e apresenta ao FDA, que é a agência que irá verificar se há condições e suporte científico suficiente para que a tecnologia seja testada em humanos.
Portal Tismoo — E essa “correção” pode ser feita no cérebro de uma pessoa?
Alysson Muotri — A forma de você fazer a correção genética é mais fácil em tecidos que são de fácil acesso, como a pele ou sangue. No caso do autismo o tecido afetado é o sistema nervoso — óbvio que outros também estão, mas a parte comportamental, de linguagem e social, é afetada pelo sistema nervoso — e o cérebro, diferentemente de outros tecidos, está protegido pela caixa craniana. Portanto, fazer a correção genética nas células humanas neurais é problemático, por não termos esse acesso. Para isso, utilizamos partículas virais. Existem uma série de vírus neurotrópicos, ou seja, são que atraídos por células do sistema nervoso. Manipulamos esses vírus em laboratório para carregar o gene correto e penetrar no sistema nervoso humano, infectando as células do cérebro e fazendo a correção genética. Essa estratégia.
Portal Tismoo — Essa é uma técnica que já se domina?
Alysson Muotri — Essa técnica é antiga e tem sido dominada pela indústria da biotecnologia há bastante tempo, com alguns casos de sucesso, mas ainda muito poucos no sistema nervoso. Obviamente, isso tudo tá muito mais avançado nos Estados Unidos , onde há uma cultura de inovação e tecnologia muito forte. O Brasil, por não investir nessa área, acaba sendo um consumidor desta tecnologia. Por conta disso, pagaremos um preço alto.
Portal Tismoo — Quais os próximos passos?
Alysson Muotri — Essas empresas [da indústria farmacêutica] que que têm essa tecnologia, conseguindo aprovação do FDA, organizam ensaios clínicos, ou seja, recrutam pessoas com mutações em genes específicos para que os testes clínicos sejam feitos. São os testes clínicos que vão indicar se realmente a terapia gênica vai ser efetiva ou não para aquele determinado gene. Isso está sendo discutido atualmente para Síndrome de Angelman e de Rett. Mas há uma série de outras síndromes do espectro do autismo, com outros genes alterados, que estão a caminho. Temos caminhado muito rápido nessa direção, mas alguns genes estão mais para trás, pois são pouco conhecidos. Há também uma questão também do tamanho do gene. Se o gene é muito grande, não cabe dentro das partículas virais. Genes menores têm maiores chances de prosperar. Essa série de fatores influenciam no porquê alguns genes estão mais avançados do que outros. As empresas [que lideram os testes clínicos] vão atrás de bancos de dados ou de organizações que concentram pacientes, pois obviamente são muito raros, já que as mutação que causam o autismo são muitas, para recrutar pessoas para participar dos ensaios clínicos.
Portal Tismoo — E como saber qual é a mutação genética para poder participar desses testes clínicos?
Alysson Muotri — A única forma de saber é através do sequenciamento genético, um tipo de exame genético. O sequenciamento é diferente de um microarray ou cariótipo, que acusam alterações mais grosseiras no genoma. O sequenciamento faz a leitura individual de cada letrinha do DNA, para identificar qual seria o gene alterado. Há dois tipos principais de sequenciamento genético: o do exoma e o do genoma completo. O sequenciamento do exoma faz a leitura de genes com maiores chances de você encontrar um defeito, que é mais ou menos 1% do genoma todo. O sequenciamento completo do genoma não olha só para 1%, olha para 100% do genoma e faz a leitura completa, independente daquele gente ter mais chances ou menos chances de estar mutado.
Portal Tismoo — E por que filiar-se a associações de pacientes nos Estados Unidos?
Alysson Muotri — Uma vez que você sabe qual o gene, recomendo se associar a essas associações internacionais. O nome da pessoa que tem autismo e sua mutação tem que estar no banco de dados dessas associações, facilitando o trabalho de recrutamento pela indústria farmacêutica. Isso já acontece bastante nos EUA. E, obviamente, como o exame genético não é tão comum fora dos EUA, ficamos assim atraentes se formos um país com maior controle da informação genética dos nossos pacientes.
Se você não fez um exame genético e, portanto, não sabe qual seu subtipo de autismo/variante genética, lei este nosso artigo: “Qual exame genético é mais indicado?“
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2020/11/portal-Terapias-ge--nicas-para-o-autismo-podem-virar-realidade-logo.jpg588900Tismoo/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngTismoo2020-11-13 14:50:122023-01-23 10:39:02Muotri alerta: terapias gênicas para o autismo podem virar realidade logo
Pesquisa mostra a importância de se fazer uma triagem de todas as crianças aos 18 meses de idade
Um novo estudo no Japão — da Shinshu University School of Medicine, publicado em 21.jul.2020, no Journal of Autism and Developmental Disorders — indica que, após uma triagem completa, há um caso de autismo para cada 32 crianças de 6 a 12 anos (prevalência de 3,1%) na cidade de Okaya — localizada na região central da ilha japonesa, com cerca de 50 mil habitantes. Os últimos números dos EUA mostram prevalência de 1 para cada 54 — 1,85%. (leia nosso artigo sobre prevalência nos Estados Unidos)
Prevalência no Japão
Liderados por Daimei Sasayama, os pesquisadores avaliaram o acompanhamento clínico no Japão de 1.067 crianças de 6 anos de idade (517 meninos e 550 meninas) — que somam 85% das crianças nascidas na cidade em 3 anos, de abril de 2009 a abril de 2012. Todas elas também haviam se submetido a uma triagem de rotina para autismo aos 18 meses de idade, que é obrigatória em todo o Japão.
O estudo científico teve dois objetivos principais: apresentar a incidência cumulativa do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em uma região com sistema de triagem completo; e examinar as características comportamentais e motoras observadas aos 18 meses de idade em crianças que depois foram diagnosticadas com autismo.
Triagem aos 18 meses
O questionário respondido anteriormente, na triagem aos 18 meses dessas crianças, sugeriu que as que depois foram diagnosticadas com TEA apresentaram algum atraso nas habilidades motoras finas e grossas e nas habilidades sociais e de comunicação naquele momento. O que reforça a eficiência de uma triagem em todas as crianças nessa idade para um diagnóstico e intervenções precoces para o autismo.
Aos 6 anos, 3,1% (4,3% dos meninos e 2,0% das meninas) das crianças foram diagnosticados com TEA por seus médicos — ou seja, 33 das 1.067 crianças. Uma taxa de prevalência semelhante foi relatada em outra pesquisa de coorte no Japão, no ano passado, em que 3,1% de 952 crianças com 32 meses de idade foram diagnosticadas com autismo.
Autismo na China
Os chineses também publicaram um novo estudo de prevalência de autismo, o a maior de todos até hoje naquele país. Cerca de 0,7% das crianças na China com idades entre 6 e 12 anos têm autismo, sugere a pesquisa, que também confirma um número global atualmente, a relação de quatro meninos com autismo, para cada menina. (veja mapa mundial dos estudos no nosso artigo: “Quantos autistas há no mundo?“)
No estudo, o pesquisador francês Eric Fombonne e seus colegas usaram registros do governo da China para identificar 125.806 crianças com idades entre 6 e 12 anos que vivem em oito cidades chinesas, escolhidas como uma amostra representativa do país. Para rastrear as crianças quanto ao autismo, a equipe distribuiu aos pais e professores um questionário desenvolvido por eles, denominado Escala de Avaliação do Espectro do Autismo Chinês Modificado (MC-ASRS — Modified Chinese Autism Spectrum Rating Scale).
Uma pesquisa anterior, de 2019— com 45.036 crianças — em três cidades chinesas apresentou uma estimativa ligeiramente superior, de cerca de 1% (1 a cada 94). Mas o novo trabalho inclui quase três vezes mais crianças, de oito cidades, e pode representar melhor a população da China, dizem os pesquisadores. Ele também fornece os primeiros dados sobre a prevalência de condições concomitantes, como transtorno de déficit da atenção com hiperatividade (TDAH) , fobias ou transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
(No texto há links para todos os estudos citados.)
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2020/08/Autismo-Japao.jpg600900Tismoo/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngTismoo2020-08-15 12:13:352020-08-15 16:50:12Novo estudo no Japão indica prevalência de autismo: 1 para 32
Pela primeira vez serão feitos testes em pessoas e em seus ‘minicérebros’ para comparar os resultados
O laboratório liderado pelo neurocientista brasileiro Alysson Renato Muotri, na Universidade da Califórnia San Diego (UCSD), nos Estados Unidos, está recrutando pessoas com autismo para participar de um teste clínico (clinical trial) com canabidiol (CBD) e exames laboratoriais. Para participar do estudo, que é feito em parceria com o grupo clínico da UCSD, é preciso, além de ter um diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) nível 3 (severo), ter de 7 a 14 anos, e não apresentar epilepsia. Além dos testes clínicos, pela primeira vez na história serão também analisados, em paralelo, os “minicérebros” (organoides cerebrais) desses mesmos indivíduos, num ensaio in vitro (em laboratório).
O estudo — controlado, randomizado, duplo-cego e que está na fase 3 — tem preferência por moradores da região de San Diego, pois será preciso ir noRady Children’s Hospital diversas vezes, para vários exames, além de um estudo genético completo. O cientista tentou trazer o estudo também para o Brasil, mas não conseguiu nenhum apoio. “Eu precisaria de um grupo clínico e um laboratório de pesquisa para fazer em colaboração aqui conosco e fazer uma parte deste estudo no Brasil. Infelizmente, não consegui nada”, lamenta Muotri.
Autismo e CBD
“Este é um ensaio clínico prospectivo. Ou seja, veremos se existe uma relação causal entre a melhoria dos sintomas de autismo e o uso do CBD, com poder estatístico para definir essa relação ou ver se as melhorias relatadas pelas famílias é efeito placebo ou outra consequência”, explicou Muotri, que é cofundador da Tismoo.
Os estudos existentes até hoje, sobre essa relação entre autismo e CBD ou dão conta da melhorias do quadro de epilepsia, o que já foi confirmado para alguns casos de autismo severo com convulsões, ou são estudos retrospectivos sobre as melhorias em outros sintomas do autismo. Porém não se sabe ainda se o CBD melhora o quadro de autismo ou se a melhoria nas convulsões traz um benefício no comportamento de pessoas com autismo severo e epilepsia. A ideia deste estudo é encontrar uma resposta para esta questão.
“Por isso estamos recrutando apenas quem tem autismo severo e não tem epilepsia, para excluir esse fator de confusão. Além disso, estamos recrutando pessoas de 7 a 14 anos para não entrar muito na adolescência, quando já temos uma questão hormonal envolvida”, esclareceu Muotri.
Inovação científica
A ideia é buscar uma resposta se e o porquê o CBD estaria ajudando o cérebro da pessoa com autismo ou não. “O que eu espero é que tenhamos alguns casos com uma resposta boa e em outros nem tanto. Por que funciona para uns e não para outros? Tem alguma relação com a genética ou com a neuroplasticidade cerebral desses indivíduos? Não é um simples ensaio clínico. É um novo conceito que estamos propondo para a medicina, quase uma personalização do ensaio clínico. Será muito interessante ver esses resultados”, contou Muotri, entusiasmado com o novo estudo.
O estudo foi apoiado pela instituição filantrópica Wholistic Research and Education Foundation e com parceria do Center for Medicinal Cannabis Research na Faculdade de Medicina da UCSD. Para mais informação sobre o ensaio clínico CBD-autismo, entre em contato com Lauren Smith — no email lmsmith@ucsd.edu ou pelo telefone +1 (619) 627-1133 (EUA).
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2020/07/portal_Mutri-Estudo-CBD-autismo.png599900Tismoo/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngTismoo2020-07-27 14:31:582020-07-29 14:45:24UCSD recruta autistas para teste clínico com canabidiol
Revista Autismo faz live para debater pesquisa científica que confirmou a ineficácia para tratar autismo com células de cordão umbilical
O neurocientista dr. Alysson Muotri esclareceu, na última sexta-feira (29.mai.2020), que tratamento para o Transtorno do Espectro do Autismo utilizando células-tronco de cordão umbilical — as chamadas células mesenquimais — não é eficaz, segundo estudo científico publicado recentemente no The Journal of Pediatrics. A explicação aconteceu em uma live (transmissão ao vivo via internet) realizada no perfil do Instagram da Revista Autismo (@RevistaAutismo).
O brasileiro Muotri, que é professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) e cofundador da Tismoo, explicou que o estudo foi um ensaio clínico fase 2, feito pela Duke University e 100% financiado por filantropia. Ele ainda pediu ajuda para denunciar clínicas que cobram por esse tipo de tratamento, que antes do estudo publicado já não tinha evidência de que funcionaria. Agora, entretanto, está cientificamente comprovado que as células mesenquimais não funcionam e são ineficazes para o tratamento de autismo.
O estudo completo pode ser acessado neste link ou em PDF.
Exames genéticos
Na live, o neurocientista ainda explica sobre quais exames e tratamentos têm comprovação científica, como terapia comportamental ABA (Applied Behavior Analysis), integração sensorial e exames genéticos (como CGH-Array e sequenciamento genéticos do genoma e do exoma).
Aliás, falando de exames genéticos, Muotri explicou como a Tismoo tem feito seus exames à distância, o que já era uma opção desde o início, agora é a recomendação. “Os kits de coleta de saliva são enviados via correio, sem contato pessoal. São devolvidos pelo correio também e as consultas pós-teste para explicar os resultados dos exames à família e ao médico são feitas por videoconferência”, relatou ele, destacando que não é preciso usar sangue para os exames genéticos da Tismoo. O uso das mais novas tecnologias permitem não necessitar de coletas invasivas para pessoas com autismo, como a de sangue, evitando a muitas delas um grande desconforto.
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2020/05/portal_Muotri-Live-29mai2020.jpg622900Tismoo/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngTismoo2020-05-31 19:36:592020-06-04 07:48:36Em live, Alysson Muotri fala sobre estudo que refuta tratamento com células-tronco para autismo
Crianças dos EUA e Canadá em idade pré-escolar diagnosticadas há 6 meses participaram da pesquisa
Um estudo publicado no mês de abril.2020, com mais de 800 crianças com autismo em idade pré-escolar nos Estados Unidos e Canadá, apontou que a maioria delas está recebendo, seis meses após seu diagnóstico, pouco mais de 5 horas de terapias semanais, e o recomendado naqueles países é de 25 horas por semana. Outro fator mencionado é que somente um terço das crianças iniciou intervenções com terapia comportamental, a que tem maior eficácia comprovada por evidência científica. Ainda mais preocupante, a pesquisa descobriu que 16% tomam ao menos um medicamento psicotrópico, a maioria deles não indicado para crianças com autismo ou para sua faixa etária. Ou seja, foi evidenciado o uso de medicamentos não regulamentados para crianças junto aos órgãos competentes, como o FDA, nos EUA, e, portanto, sem essa informação na bula.
“Isso aponta para a necessidade de melhorar o acesso aos cuidados de todas as crianças com autismo e reduzir algumas das barreiras atuais que muitas famílias enfrentam”, disse Daniela Ziskind, médica do Hospital Infantil da Filadélfia, na Pensilvânia (EUA), que liderou o trabalho, ao site Spectrum News.
Medicação
Segundo o estudo, 16,3% das 805 crianças usavam medicamentos psicotrópicos, independentemente da quantidade de terapia que estavam recebendo. Os tipos mais comuns foram drogas usadas para tratar a hiperatividade, mas ainda não aprovadas para crianças nessa faixa etária ou para crianças com autismo pelos órgãos regulatórios dos dois países. E um total de 25 crianças (cerca de 4%) estavam fazendo uso de antipsicóticos.
A diretora do Centro de Excelência em Pesquisa em Autismo da Universidade de Boston, Helen Tager-Flusberg, disse ao Spectrum News que as descobertas sobre o uso de drogas são “alarmantes”. Ela — que não participou do estudo — destaca que os medicamentos apontados na pesquisa não são estudados suficientemente em crianças dessa idade. E que poucas horas de terapia e a dependência de medicamentos podem andar de mãos dadas.
Para a pesquisadora Ziskind, em algumas regiões, o nível de uso de medicamentos pode ser reflexo das políticas locais de saúde ou da disponibilidade de terapias não medicamentosas. Ela e seus colegas descobriram no estudo que as crianças nos EUA têm maior probabilidade de tomar remédios do que as do Canadá.
Terapia comportamental
A Academy of Child and Adolescent Psychiatry (Academia Americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente) recomenda que crianças com autismo recebam intervenções comportamentais baseadas em evidências. Um painel de especialistas convocado pela Autism Intervention Research Network on Behavioral Health recomenda que as crianças recebam pelo menos 25 horas por semana dessas terapias. Mas, entre as crianças do novo estudo, apenas 14% delas estavam recebendo este mínimo semanal — e cerca de 47% estavam recebendo menos de 5 horas por semana.
“Essa é uma descoberta importante e surpreendente; e está bem documentada aqui. Há crianças e famílias que poderiam estar tendo muito mais apoio e tratamento do que estão recebendo agora”, diz Tager-Flusberg.
Quanto ao tipo de terapia, 77% das crianças estavam em terapia com fonoaudiólogos e 67% estavam em terapia ocupacional. Apenas 33% tinham terapia comportamental, a que tem a melhor base de evidências científicas comprovando sua eficácia.
O estudo
Para o professor Lucelmo Lacerda, doutor em educação, pós-doutorando em educação especial e pai de uma criança com autismo, “esta pesquisa representa uma situação dos EUA e Canadá, o que é bastante preocupante, por diversos motivos, mas principalmente porque a medicação pode, eventualmente, ser um apoio na intervenção, mas não é o tratamento para o autismo, além disso, trata-se de medicações que não foram testadas nesta população, o que mostra que não é só aqui que temos desinformação e comportamento não científico. Agora, se nesses países, que possuem serviços públicos robustos, temos esses dados, é provável que no Brasil tenhamos quadros ainda mais sérios, em que pouquíssimas pessoas têm a intervenção adequada. Seria muito importante um estudo como este no Brasil”, disse ele, que é autor do livro “Transtorno do Espectro Autista: uma brevíssima introdução”.
Esta pesquisa científica — publicada em 1º.abr.2020 na Pediatrics, publicação científica da Academia Americana de Pediatria — foi feita com 805 crianças de 3 a 6 anos de idade, seis meses após seu diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo, que se matricularam na Autism Treatment Network, um grupo de 17 centros médicos nos EUA e no Canadá ligados à ONG norte-americana Autism Speaks, de dezembro de 2007 a dezembro de 2013.
https://tismoo.us/wp-content/uploads/2020/05/portal_estudo_crianc--as_medicamentos_e_terapias.jpg6671000Tismoo/wp-content/uploads/2018/03/logo-tismoo.pngTismoo2020-05-16 10:36:532020-06-04 07:53:13Estudo aponta que crianças com autismo recebem medicação não indicada e pouca terapia