Que o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) tem um forte componente genético não resta dúvida. Mas quando ele manifesta os primeiros sintomas?
Pesquisadores americanos e europeus estão em busca de sinais da manifestação do autismo antes mesmo da pessoa nascer. O objetivo não é diagnosticar o TEA ou influenciar a decisão dos pais sobre a gravidez. Eles querem entender quais regiões do cérebro e mudanças estruturais contribuem para o espectro. Para encontrar respostas apostam nas varreduras cerebrais, método utilizado para compreender outras condições, como cardiopatias congênitas. Mas de onde surgiu a ideia de que o autismo pode existir já no feto?
O contexto
Exames cerebrais feitos em pessoas autistas têm revelado cada vez mais informações sobre estruturas e padrões de atividade atípicos. Mas em que momento da vida essas alterações surgem? É esta a pergunta que os cientistas querem responder. Para isso eles pretendem investigar os fundamentos biológicos do TEA o mais cedo possível, dentro dos limites éticos e seguros para a mãe e o bebê, é claro. Os testes ainda estão em fase inicial, mas os pesquisadores estão animados e acreditam que a metodologia é promissora.
O escaneamento cerebral
A técnica de “escanear” o cérebro dos fetos não é uma novidade na medicina. No pré-natal mesmo, o médico responsável pelo acompanhamento da gestante já faz esse procedimento, “grosso modo”, através do ultrassom. Se o exame aponta um desenvolvimento fora do normal ou alguma alteração no cérebro, o médico pode solicitar uma ressonância magnética (MRI na sigla em inglês) do feto.
A tecnologia de MRI avançou muito — hoje é possível capturar imagens instantâneas da estrutura do cérebro do feto em aproximadamente 20 segundos. Ainda assim, uma dificuldade persiste: obter resultados de MRI funcional, que rastreia o fluxo sanguíneo demonstrando a atividade neuronal, pode levar até 10 minutos — um tempo muito longo para o bebê e a gestante ficarem totalmente imóveis. Qualquer movimento (inclusive a respiração da mãe ou seu processo de digestão) pode danificar as imagens e comprometer o resultado. Para solucionar o problema, pesquisadores da Universidade de Washington já trabalham na criação de algoritmos matemáticos que possam detectar e corrigir as falhas provocadas por movimentos do feto.
Os resultados
Analisando exames cerebrais de irmãos mais novos de crianças autistas, os pesquisadores perceberam alterações relevantes. Nos bebês com 6 a 12 meses de vida, que desenvolveram autismo mais tarde, certas partes do órgão cresceram mais do que o normal, quando comparados ao grupo controle. Noutro estudo, pesquisadores descobriram que bebês com 6 meses de idade, mais tarde diagnosticados com TEA, apresentam excesso de fluido entre o cérebro e o crânio, e padrões incomuns de atividade cerebral. Dessas evidências, surgiu o interesse em acompanhar o padrão de funcionamento do órgão.
Para detectar as alterações que podem ser indícios do autismo, os pesquisadores estão criando uma espécie de “atlas do desenvolvimento típico do cérebro”. Eles estão escaneando os cérebros de 1.500 fetos (entre 20 e 44 semanas pós-concepção) e bebês (com duas semanas de vida), usando o método de MRI funcional, aliado a uma técnica de “imagem de tensor de difusão” (DTI em inglês) que rastreia a estrutura de nervos, responsável por ligar as diferentes regiões do cérebro. O objetivo desse “atlas” é mapear a “fiação neural” e a atividade cerebral, entendendo como elas se transformam com o passar do tempo.
A expectativa dos cientistas é que os escaneamentos cerebrais em fetos revelem como fatores de risco para o autismo podem interferir no desenvolvimento do cérebro, e como mudanças precoces no órgão se relacionam com comportamentos posteriores.