Por que meninas teriam mais “resistência” genética ao risco de autismo e quais as evidências contra e a favor dessa teoria.
Hannah Furfaro, do Spectrum News,
traduzido para o português por Francisco Paiva Junior
Um dos enigmas mais intrigantes do autismo é o porquê de quatro vezes mais meninos serem diagnosticados com o transtorno do que meninas.
O viés de diagnóstico explica parcialmente essa proporção. A principal teoria genética do autismo, que mostra um “efeito protetor feminino”, também oferece uma explicação poderosa. A teoria sugere que meninas e mulheres são mais “protegidas” biologicamente do autismo.
Aqui, explicamos a teoria e examinamos os dados que a sustentam ou a derrubam.
Quais são as origens da teoria do “efeito protetor feminino”?
Na década de 1980, Luke Tsai , então na Universidade de Michigan em Ann Arbor (EUA), descobriu que meninas autistas têm, em média, mais parentes com autismo ou alguns problemas de linguagem do que meninos com o transtorno (1). Essa descoberta indica que as meninas precisam herdar mais fatores genéticos relacionados ao autismo do que os meninos para apresentar características dessa condição de saúde. Vários grandes estudos desde então confirmaram a observação de Tsai.
Que evidências apóiam essa teoria?
A evidência mais convincente para a teoria vem de vários grandes estudos de famílias ou gêmeos. Um estudo descobriu que os irmãos mais novos de meninas autistas são mais propensos a ter o transtorno do que os irmãos mais novos de meninos autistas (2). Outros estudos sugerem que as meninas são mais “resistentes” às mutações ligadas ao autismo do que os meninos — ou seja, as meninas podem ter as mesmas mutações genéticas que os meninos autistas e, ainda assim, não ter Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Alguns estudos sugerem que mais mutações, ou ‘acertos’, são necessários para desencadear autismo em meninas do que em meninos. Um estudo de 2011 mostrou que meninas autistas têm mais duplicações ou deleções espontâneas de DNA, chamadas variações do número de cópias (copy number variation: CNVs, na sigla em inglês), do que meninos autistas (3); outro estudo confirmou o achado, três anos depois (4). Este estudo também relatou que meninas autistas têm três vezes mais probabilidade do que meninos de carregar CNVs que incluem genes do autismo.
Alguns experimentos com animais também confirmam a teoria. Camundongos fêmeas com deleção na região cromossômica 16p11.2 , que está ligada ao autismo, não têm os problemas de aprendizagem que os machos com deleção têm; elas parecem compensar a perda por meio de uma proteína chamada ERK. Outra equipe descobriu que as fêmeas de uma linhagem diferente de camundongos, que têm a deleção 16p11.2, compensam essa perda comportamentalmente.
Poderia o viés de diagnóstico, em vez deste “efeito protetor”, explicar a proporção de sexo do autismo?
Sim. O autismo se manifesta de forma diferente nas meninas e nos meninos. Mas as ferramentas usadas para diagnosticar e rastrear o autismo são baseadas principalmente em dados de meninos. Eles geralmente não levam em consideração a variação nas características do autismo entre os sexos.
Como resultado, muitas mulheres e meninas autistas são diagnosticadas com o transtorno tardiamente ou nem chegam a serem diagnosticadas. Esse subdiagnóstico pode ter levado a uma proporção sexual distorcida.
Existem evidências que contradizem o “efeito protetor feminino”?
Sim, mas não muito.
Se as meninas autistas carregam mais fatores de risco familiares do que os meninos autistas, os irmãos delas também devem estar em maior risco de desenvolver autismo ou traços de autismo. Mas alguns cientistas descobriram o oposto.
Um estudo de 2015 não encontrou associação entre o sexo de crianças autistas e a extensão dos traços de autismo em seus irmãos mais novos (5). No entanto, um estudo de 2013 mostrou que irmãos de meninas autistas têm mais traços de autismo do que irmãos de meninos autistas (6). No geral, há mais evidências a favor da teoria do que contra.
Por que é importante estudar esse efeito?
A caracterização dos fatores que “protegeriam” as meninas do autismo pode ajudar os pesquisadores a desenvolver tratamentos direcionados ou reduzir os riscos associados ao transtorno.
Mas encontrar uma explicação biológica para o “efeito protetor feminino” deve acontecer antes. Até agora, todas as evidências que confirmam a teoria são indiretas. Idealmente, os cientistas deveriam identificar aspectos específicos das vias moleculares em meninas que estão por trás de sua “resistência” ao autismo.
Uma equipe está estudando diferenças sexuais no cérebro de indivíduos autistas; outra está pesquisando os genomas de um grande número de meninas em busca de variantes genéticas que possam explicar o “efeito protetor” (7).
Este artigo traduzido para o portugês foi originalmente publicado em inglês, no site Spectrum News, em 1.mai.2019: “The female protective effect, explained“, de autoria da jornalista Hannah Furfaro, mestre em jornalismo científico e de saúde.
Leia também nosso artigo “Qual a explicação para a causa genética do autismo?“. sobre o modelo de copo.
REFERÊNCIAS
- Tsai L. et al. J. Autism Dev. Disord. 11, 165-173 (1981) PubMed
- Werling D.M. and D.H. Geschwind Mol. Autism 6, 27 (2015) PubMed
- Levy D. et al. Neuron 70, 886-897 (2011) PubMed
- Jacquemont S. et al. Am. J. Hum. Genet. Epub ahead of print (2014) PubMed
- Messinger D.S. et al. Mol. Autism 6, 32 (2015) PubMed
- Robinson E.B. et al. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 110, 5258-5262 (2013) PubMed
- Gockley J. et al. Mol. Autism 6, 25 (2015) PubMed