Atualizada a cada 2 anos nos Estados Unidos, pesquisa considera apenas crianças com 8 anos de idade
Temos um novo número: 1 em cada 36 crianças de 8 anos são autistas nos Estados Unidos, o que significa 2,8% daquela população. O dado divulgado hoje (23.mar.2023) vem da principal referência mundial a respeito da prevalência de autismo, o CDC (Centro de Controle de Prevenção e Doenças), do governo dos EUA, que divulgou sua atualização bienal, com dados de 2020, um retrato daquele ano. O número desse estudo científico, com mais de 226 mil crianças, é 22% maior que o anterior, divulgado em dezembro de 2021 — que foi de 1 em 44 (com dados de 2018). No Brasil, não temos números de prevalência de autismo. Se fizermos a mesma proporção desse estudo do CDC com a população brasileira, poderíamos ter cerca de 5,95 milhões de autistas no Brasil.
Pela primeira vez, a porcentagem de diagnósticos de autismo entre asiáticos (3,3%), hispânicos (3,2%) e negros (2,9%) foram maiores do que entre as crianças brancas de 8 anos (2,4%). Isso é o oposto das diferenças raciais e étnicas observadas nos estudos anteriores do CDC. Essas mudanças podem refletir uma melhor triagem, conscientização e mais acesso a serviços entre grupos historicamente mal atendidos nos EUA.
Para o neurocientista brasileiro Alysson R. Muotri, que é professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), “Os novos números do CDC mostram que a prevalência de autismo continua subindo, o que não acreditamos ser algo biológico, mas sim uma melhoria no diagnóstico, pois o autismo tem aparecido mais, está mais conhecido. Acredita-se que essa realidade seja a de todos países do mundo, pois não há evidência de que essa variabilidade ou que as mutações genéticas aconteçam de forma diferentes em outras regiões do planeta. Nesse aspecto, o que acontece nos EUA, deve ser uma representação do que acontece no resto do mundo”. Ele ainda continuou: “Outra parte interessante do estudo é o aumento da prevalência entre minorias aqui nos EUA, como asiáticos, latinos e negros. Isso mostra que o diagnóstico está chegando nessas populações, que estavam sendo excluídas e, portanto, apareciam menos nos dados anteriores do CDC. De novo, essa relação entre minorias e diagnósticos provavelmente aconteça nos outros países do mundo, inclusive o Brasil”, disse Dr. Muotri, que também é cofundador da Tismoo Biotech e da Tismoo.me.
Homens x mulheres: 3,8 para 1
A divisão entre gêneros na prevalência de pessoas com diagnóstico de autismo continua apresentando um número bem maior de homens. A relação do estudo apresentado hoje é muito próximo dos anos anteriores, de 3,8 homens para cada mulher (variando de 3,2 a 4,3 entre as 11 regiões do estudo). Há discussões mundo afora a cerca dos critérios diagnósticos sempre terem sido direcionados às características mais comuns no sexo masculino e também nas habilidades femininas de mascarar alguns sinais de autismo, o que indicaria a possibilidade de termos números diferentes dessa relação de gênero.
Vale lembrar que a pesquisa aponta pessoas com diagnóstico de autismo e não pessoas autistas — ou seja, o acesso ao diagnóstico médico formal, seja por questões sociais ou aspectos ligados ao gênero, interfere nesse resultado. No geral, a prevalência de autismo nas 11 regiões estudadas continua quase quatro vezes maior para meninos (4,3% dos homens avaliados no estudo) do que para meninas (1,1% das mulheres). Ainda assim, este é o primeiro relatório do CDC em que a prevalência de autismo entre meninas de 8 anos excedeu 1%.
Do total de crianças autistas no estudo, há 4.984 homens e 1.255 mulheres, além de 6 registros sem informação do sexo biológico.
Um retrato de 2020
Como de praxe, esses estudos bienais do CDC tratam de dados de 3 a 4 anos atrás, com todo o rigor científico exigido para isso. Os novos números têm como base dados de 2020, a respeito de crianças nascidas no ano de 2012, de 11 comunidades diferentes (em 11 estados dos EUA) da rede de Monitoramento do Autismo e Deficiências do Desenvolvimento (ADDM na sigla em inglês). O estudo, que, portanto, é um retrato do ano de 2020, encontrou 6.245 autistas entre 226.339 crianças nascidas em 2012. As taxas de autismo nessas comunidades variaram de 1 em 43 (2,31% — em Maryland) a 1 em 22 (4,49% — na Califórnia). Essas discrepâncias, de acordo com o CDC, podem ser atribuídas à maneira como as diferentes comunidades identificam crianças autistas, além do fato de algumas dessas comunidades terem acesso a mais serviços de saúde (e, portanto, de diagnóstico) e educação destinados a crianças autistas e suas famílias. As 11 comunidades estudadas estão nos seguintes estados norte-americanos: Arizona, Arkansas, Califórnia, Geórgia, Maryland, Minnesota, Missouri, Nova Jersey, Tennessee, Utah e Wisconsin.
Nessa pesquisa, cada um dos 11 comunidades selecionou uma área geográfica de seu estado para monitorar o transtorno do espectro do autismo (TEA) em crianças nascidas em 2012 que moravam nesses locais em 2020. Foram utilizados registros e dados de saúde e educação anonimizados dessas crianças, conforme as leis nos EUA.
Mais abrangente: 1 em 30
Em julho de 2022, um estudo publicado na Jama Pediatrics, realizado com 12.554 pessoas, com dados de 2019 e 2020, com dados do CDC, revelou um número de prevalência de autismo nos Estados Unidos de 1 autista a cada 30 crianças e adolescentes entre 3 e 17 anos naquele país.
A principal diferença entre esse estudo e o divulgado hoje é a abrangência deles: um limita-se a crianças de 8 anos; o outro, pessoas de 3 a 17 anos de idade. São pesquisas, portanto, diferentes e não devem ser comparadas como iguais.
Crianças de 4 anos
Um segundo relatório sobre crianças de 4 anos nas mesmas 11 comunidades destaca o impacto da pandemia de Covid-19, mostrando interrupções na detecção precoce do autismo, o que coincide com com as interrupções nos serviços de assistência à infância e saúde durante a pandemia nos Estados Unidos. “Interrupções devido à pandemia na avaliação oportuna de crianças e atrasos em conectar essas crianças aos serviços e apoio de que precisam podem ter efeitos a longo prazo”, disse a médica Karen Remley, diretora do Centro Nacional de Defeitos Congênitos e Deficiências de Desenvolvimento do CDC. “Os dados deste relatório podem ajudar as comunidades a entender melhor como a pandemia afetou a identificação precoce de autismo em crianças mais novas e antecipar as necessidades futuras à medida que essas crianças vão ficando mais velhas”, completou Remley.
Adultos autistas
Sobre autismo em adultos, o CDC publicou um estudo no ano passado (2022) que estima haver 2,2% da população dos Estados Unidos no espectro do autismo acima dos 18 anos, com dados referentes ao ano de 2017 (quase 5,5 milhões de autistas). Essa prevalência de adultos norte-americanos com TEA variou de 1,97% no estado de Louisiana a 2,42%, em Massachusetts. Os estados com o maior número absoluto estimado de adultos autistas são: Califórnia (701.669), Texas (449.631), Nova York (342.280) e Flórida (329.131).
Assim como as estimativas de autismo em crianças em idade escolar nos EUA, a prevalência foi maior em homens do que em mulheres. Estima-se que aproximadamente 4.357.667 (3,62%) homens adultos sejam autistas — com estimativas estaduais variando de 3,17% (Dakota do Sul) a 4,01% (Massachusetts). Enquanto há aproximadamente 1.080.322 (0,86%) mulheres autistas adultas naquele país, com estimativas por estado variando de 0,72% das mulheres (Arkansas) a 0,97% (Virgínia).
No ano passado o CDC anunciou investimento em suporte para acompanhar jovens de 16 anos que foram identificados com TEA aos 8 anos de idade em estudos anteriores, em 5 regiões dos EUA. Essa é uma nova atividade para o CDC e fornecerá informações valiosas sobre o planejamento de transição em serviços de educação especial e necessidades potenciais de serviços após o ensino médio nos Estados Unidos.
O Estudo do CDC para Explorar o Desenvolvimento Precoce (SEED, na sigla em inglês) começou a identificar crianças autistas em meados dos anos 2000 (nascidas em 2008) e essas crianças agora estão iniciando a transição da adolescência para a idade adulta. Por meio do SEED Teen (uma versão do estudo em adolescentes), o CDC está acompanhando, nos Estados Unidos, as mudanças que ocorrem durante esse período de transição para aprender sobre os fatores que podem promover transições mais bem-sucedidas e melhores resultados em jovens adultos autistas.
Brasil
No Brasil não há números oficiais de prevalência de autismo, temos apenas um pequeno estudo de prevalência de TEA até hoje, um estudo-piloto, de 2011, em Atibaia (SP), de 1 autista para cada 367 habitantes (ou 27,2 por 10.000) — a pesquisa foi feita apenas em um bairro de 20 mil habitantes da cidade.
No Censo 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez a inclusão de uma pergunta sobre autismo no seu Questionário de Amostra, que é mais detalhado e utilizado numa parcela menor da população (11%). A pergunta é a seguinte: “Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?”, tendo sim ou não como resposta. A coleta de dados do Censo estava programada para terminar em outubro do ano passado, mas ainda está em andamento e deve ser finalizada nas próximas semanas. O resultado final do Censo está previsto para até 2025.
Um mapa online, do site Spectrum News, traz todos os estudos científicos de prevalência de autismo publicados em todo o planeta.
CONTEÚDO EXTRA
Estudo completo de prevalência do CDC: Prevalence and Characteristics of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years, 2020
Estudo com crianças de 4 anos do CDC: Early Identification of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 4 Years, 2020
Estudo de 2022 mais abrangente, com prevalência de autismo em pessoas de 3 a 17 anos
Página de autismo do CDC: CDC – Autism Spectrum Disorder (ASD)
Página de dados do CDC: Autism Data Visualization Tool | CDC
Estudo anterior do CDC (de 2018, divulgado em 2021): Prevalence of ASD: 1 in 44
Estudo de autismo em adultos lançado em 2022 (com dados de 2017): ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9128411/
Mapa online do Spectrum News: todos os estudos científicos de prevalência de autismo publicados.
[Publicado originalmente no Canal Autismo/Revista Autismo]