Por Lucelmo Lacerda
Este portal é de uma empresa de avaliação genética, este é um campo novo e intrigante da ciência. Quando se quer saber os mínimos detalhes de toda a sequência genética de alguém, recorremos a este laborioso trabalho de decodificação dessa criptografia incrível que é nosso corpo. A genética pode também dizer, por exemplo, se um homem é, ou não, pai de uma criança, e todos confiamos nestes resultados (o Ratinho que o diga). Esta tal de ciência é ou não é maravilhosa?
Mas, por algum motivo que me foge, quando as pessoas descobrem que uma criança tem autismo e precisam correr para realizar uma estimulação o quanto antes (já que quanto mais novo, melhor a eficiência), muitas vezes não levam em consideração as informações advindas do arcabouço científico.
A ciência é uma forma de produzir conhecimento em que se entende que uma afirmação só é legítima se for testada. Pense em todas as intervenções para pessoas com autismo, só algumas podemos dizer que funcionam, aquela que é indicada pela Organização Mundial de Saúde – OMS1, que é a mais bem demonstrada é a intervenção baseada em Análise do Comportamento Aplicada (ABA)2, em que se atua para mudar comportamento, reduzindo ou eliminando comportamentos em excesso, como agressão, autolesivos, estereotipias que podem trazer prejuízo (as que não trazem, não há motivo para intervir), entre outros, e aumentar ou ensinar comportamentos em déficits ou inexistentes, como falar, ter fluidez verbal, comer só e assim por diante.
A ABA não é um método, isto é, um roteiro de coisas a se fazer com o sujeito, e sim uma ciência, assim como a química, a física e a biologia, um campo enorme de estudos, o qual permite que se conheça profundamente o comportamento humano, a ponto de poder mudá-lo para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Mas não sendo um método, e sim uma ciência, é necessário que ela seja conhecida com profundidade para a criação de uma intervenção individualizada, talhada para cada um dos sujeitos que se servem dela.
Mobilizar os conhecimentos de uma ciência para cada indivíduo (é por isso que ela funciona tanto) é interessantíssimo, mas isso também exige um enorme conhecimento na intervenção em si e como no Brasil não há regulamentação para essa intervenção, muito ainda é preciso esclarecer, como por exemplo, o papel dos pais em todo esse processo, tornando imprescindível que os mesmos tenham uma boa noção do assunto, tanto para optar de maneira consciente, quanto para selecionar um bom profissional e acompanhar com lupa o processo.
Apontando melhores percursos do que seja esta tal de ABA:
1. O profissional
O profissional que planeja uma intervenção baseada em ABA é o Analista do Comportamento. No Brasil não é uma profissão regulamentada, então você terá que acompanhar os indícios de que o sujeito entende do traçado, dou algumas dicas. Busque no Curriculum Lattes do profissional e procure por um desses sinais positivos: a) É acreditado pela ABPMC; b) É BCBA; c) Tem publicações acadêmicas no campo da Análise do Comportamento; d) Tem Mestrado ou Doutorado em Educação ou Psicologia ou ainda em Análise do Comportamento; e) Tem especialização em ABA aplicada ao TEA; f) Tem bastante experiência, com cursos e trabalho sob supervisão.
2. A avaliação
Para uma intervenção desta natureza, não é o diagnóstico o importante, e sim o sujeito. O que se deve avaliar é o repertório da pessoa, quais comportamentos estão em excesso e quais estão em déficits. Dependendo do comportamento, ele pode ser avaliado diretamente. Assim, quando os pais chegam com uma criança com algum comportamento especialmente sensível, é realizada uma Análise Funcional, como, por exemplo, analisar a função de um comportamento agressivo, entendendo o que o mantém.
Mas, para uma intervenção completa, a que chamamos de “compreensiva”, que englobe todas as áreas do desenvolvimento e que visa a integralidade do sujeito, normalmente se utiliza algum tipo de instrumento de avaliação, tais como os que passo a apresentar brevemente:
- Inventário Portage – ideal para crianças menores, permite saber quais são as áreas prioritárias para estimulação.
- VB-MAPP – baseado nos marcos do desenvolvimento esperado para crianças com desenvolvimento típico e com forte acento na comunicação, também permite avaliar as barreiras de aprendizagem e um acompanhamento gráfico da evolução da criança.
- ABLLS-R – os comportamentos são mais “quebrados em pequenas partes”, em relação ao VB-MAPP, ideal para crianças mais velhas.
- AFLS –tem a mesma estrutura do ABLLS-R, mas voltado para as habilidades funcionais, muito utilizado para o fim da adolescência e vida adulta.
- PEAK – protocolo de avaliação de linguagem, em 4 cadernos de avaliação e intervenção, sobretudo em autismo leve.
- Socially Savvy Checklist– voltado para o processo de avaliação e intervenção em Habilidades Sociais, que é o ponto principal de apoio às pessoas com autismo leve, verbais, mas que têm muita dificuldade em socialização.
3. Definição de objetivos e seleção de programas de ensino
Após uma acurada avaliação, são estabelecidos objetivos de ensino, como exemplo:
- Fazer contato visual por 5 segundos.
- Sentar e realizar as atividades propostas pelo professor na escola.
- Ler, com compreensão, frases com até 5 palavras. E assim por diante.
E para cada um desses objetivos são selecionados programas de ensino, estratégias específicas para alcançar cada uma dessas metas.
Cada um desses programas conta com um esquema de registro acurado, com o objetivo de medir o desempenho continuamente e corrigir o curso se algo não estiver dando certo.
4. Aplicação
As evidências demonstram que uma intervenção não é eficaz se não for suficientemente intensiva, de modo que são necessárias muitas horas de aplicação destes programas de ensino. Em geral, isto é feito por um aplicador, que pode ser, ou não, um terapeuta formado (isto não altera a eficiência). O importante é que ele tenha sido treinado para a aplicação desses programas. Esta aplicação será supervisionada pelo Analista do Comportamento, que irá avaliar continuamente o desenvolvimento da criança, propondo mudanças e avanços nos objetivos e estratégias de ensino.
Uma dimensão fundamental desta intervenção é a transparência, os pais precisam saber, a cada momento, o que tem sido ensinado a seus filhos e como ele tem respondido a essa intervenção, além disso, é fundamental que os pais também sejam ensinados a reduzir comportamentos inadequados e ajudar a aumentar comportamentos adequados.
5. Reavaliação e replanejamento
Uma vez por ano, normalmente, a criança é reavaliada e os objetivos antes delineados são avaliados e repensados, se necessário, assim temos uma intervenção dinâmica e realmente focada no sujeito.
Conhecendo estes passos, é possível ter uma noção de como se dê uma intervenção baseada em ABA e como ela pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA.
O autor
Lucelmo Lacerda é doutor em educação pela PUC-SP, pós-doutorando em educação especial pela UFSCar. Autor do livro “Transtorno do Espectro Autista: uma brevíssima introdução” e coordenador nacional do Núcleo de Atenção ao Transtorno do Espectro Autista – NATEA. Especialista em educação especial, inclusiva e políticas de inclusão. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0309402002222929
Referências
- http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/103312/9789241506618_eng.pdf;jsessionid=ACB1A24C46050C1E20C8787C10F28BB6?sequence=1
- http://www.nationalautismcenter.org/national-standards-project/
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